“Por que, afinal de contas, queremos ser quem somos”: aqui, agora e sozinhos, por E E Cummings, em 1953

“Vocês não tem a menor noção de estar aqui e agora, sozinhos, sendo quem são. Por que (vocês perguntam) alguém iria querer estar aqui, quando poderia (simplesmente apertando um botão) estar em cinquenta lugares ao mesmo tempo? Como alguém poderia querer estar agora, quando poderia flutuar no tempo de criação inteira, girando um botão? O que poderia induzir uma pessoa a desejar a solidão, quando bilhões dos ditos dólares são desperdiçados misericordiosamente pelo grande e bom governo para que nenhuma pessoa em nenhum lugar jamais fique por um único instante sozinha? E quanto a sermos quem somos, por que afinal de contas sermos quem somos quando, em vez disso, podemos ser cem, mil ou cem mil outras pessoas? A própria noção de sermos alguém, numa época de eus tão intercambiáveis, deve parecer absolutamente ridícula.”
~ E.E. Cummings, em “eu: Seis Não-Conferências” (1953)

e-e-cummings-2Esse trecho das “não-conferências” do poeta americano Edward Estlin Cummings (1894-1962), ou E.E. Cummings, é curioso porque lido agora, no século XXI, com a amplitude do aparato tecnológico, de mídia e de Internet que há em todo o globo, parece contemporâneo, com termos que induzem a entender como da nossa realidade, embora sejam de um contexto da primeira metade do século passado, o texto é de 1953. A essa época, os Estados Unidos eram governados por Dwight Eisenhower (eleito em 52), e tinha como senador o também republicano Joseph McCarthy (1908-1957), a quem Cummings defendia, em detrimento do Comunismo que passou a condenar depois de visitar a União Soviética nos Anos 30 (e considerar o regime ditatorial e supressor de liberdades individuais), e era a época em que Cummings era professor da Universidade de Harvard, em Boston, onde professou essas “não-conferências”. As referências à individualidade parecem ser uma ode à autenticidade e ao auto-conhecimento do hiper-fragmentado mundo contemporâneo, mas podem ter sido (ao invés disso, ou também) uma valorização da individualidade do cidadão, numa época onde McCarthy caçava bruxas comunistas e sua política de coletividade sem individualidade. Como um entusiasta do que não era convencional, Cummings poderia estar fazendo uma crítica às padronizações humanas (mais que à criação de possibilidades), embora, lido hoje, pareça ser uma crítica à multiplicação das imagens de eus em detrimento de um ser verdadeiro e integral, que não busca ser uma das milhões de outras imagens e seres que são vendidos como modelos nas capas de revistas, sites e redes sociais. Sbe-se lá quantas outras interpretações são possíveis deste texto.

//////////

More from Nando Pereira (Dharmalog.com)
Shine, by Buda.
“Meditate. Live purely. Be quiet. Do your work with mastery. Like the...
Leia Mais
Join the Conversation

3 Comments

  1. Em 1953 os Estados Unidos foram governados por Harry S. Truman (1o./01/1953 a 21/01/1953) e Dwight Eisenhower. Joseph MacCarthy era, na época,Senador republicano que desencadeou intensa campanha anticomunista, baseada em denúncia e feroz perseguição a qualquer suspeito de ser simpatizante do regime comunista.

    1. Perfeito, Stella. O presidente (eleito em 52) era Dwight Eisenhower (e o vice Nixon). Eram eles que estavam no cargo em 53, quando E.E.Cummings fez essas não-conferências. Antes dele, Truman. McCarthy era senador. Corrigido.

Leave a comment
Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *