A morte, esse fenômeno. Parte dois (ou parte 300, 400… muitos posts aqui tratam dela, direta ou indiretamente).
Desta vez a fonte é o trabalho da conhecida pesquisadora e psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), autora de “Sobre a Morte e o Morrer” (1969), “Morte – Estágio Final da Evolução” (1975) e “A Roda da Vida” (1998), bibliografia obrigatória para qualquer pessoa que esteja minimamente interessada em investigar o processo da morte mais de perto, sejam psicólogos, filósofos, cientistas, religiosos ou simpatizantes. Além de trabalhar décadas no leito de morte de várias pessoas, incluindo crianças, observando seus últimos momentos de vida, e de possuir 18 doutorados, Kübler-Ross estudou mais de 20 mil casos de “experiências de quase-morte” (EQM), de pessoas que foram declaradas clinicamente mortas e voltaram à vida. “A experiência é a mesma para todos, seja você um aborígene australiano, um hindu, um muçulmano, um cristão, um ateu”, diz ela, na abertura do livro “A morte: um Amanhecer“.
“A experiência da morte é quase idêntica à do nascimento“, ela afirma, explicando os três estágios do processo da morte. Um trecho do livro que trata desse processo está reproduzido abaixo, também de “A Morte: um Amanhecer“. Não é o capítulo inteiro, pois ele é longo, mas é um bom pedaço. Você vai notar que um dos assuntos que ela aborda é o ceticismo da ciência e dos ateus, que em parte ela trata com tentativas de argumentação lógica, em parte com a opinião de que a medicina e a ciência precisam de mais humildade.
As pesquisas e a visão de Kübler-Ross sobre a morte, principalmente sobre as experiências de retorno da morte clínica, são preciosas pois contém uma ampla amostra de casos e apresentam dados consistentes, alguns deles em repetições impressionantes. Por outro lado, é quase que inteiramente baseado nos casos clínicos e em entrevistas, e não em um exame sobre a própria morte em si, como processo biológico (ou algo mais). Mas ela chegou a estar tão convencida que o que verificou é real, que diz num dos trechos abaixo: “Não se pode querer convencer os outros mas, de qualquer modo, quando morrerem, eles conhecerão a verdade“.
Para saber mais de Elisabeth Kübler-Ross e seu trabalho, visite o site da Elisabeth Kübler-Ross Foundation, em ekrfoundation.org.
Abaixo, o texto mencionado.
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“A MORTE: UM AMANHECER” [TRECHO] por Elisabeth Kübler-Ross (Editora Pensamento)
“O momento da morte é composto de três estágios. Se puder aceitar a linguagem usada em minhas conversas com crianças moribundas, e que usei, por exemplo, na carta para Dougy, você aceitará que a morte do corpo humano é um processo idêntico ao que ocorre quando uma borboleta deixa o casulo. O casulo pode ser comparado ao corpo humano, mas não é idêntico ao seu eu real, pois é apenas uma morada temporária. Morrer é como mudar-se de uma casa para outra mais bonita — simbolicamente comparando. Tão logo o casulo esteja numa condição irreparável — seja por suicídio, assassinato, ataque cardíaco ou por uma enfermidade crônica, não importa como tenha acontecido — ele liberará a borboleta; sua alma, por assim dizer.
Nesse segundo estágio, ainda simbolicamente, tendo a borboleta deixado o seu corpo material, você terá algumas sensações importantes, das quais é bom que tenha conhecimento, a fim de não ter mais medo da morte. Nesse segundo estágio, o que o alimenta é a energia psíquica, ao passo que, no primeiro, era a energia física. No primeiro estágio, você ainda necessitava de um cérebro funcionando e de uma consciência em atividade para se comunicar com seus companheiros. Assim que esse cérebro, ou esse casulo, fica danificado, você não dispõe mais de uma consciência em atividade. No momento em que finda esse estágio e, por assim dizer, seu casulo passa a uma condição tal que você já não consegue respirar, quando não é mais possível medir suas ondas cerebrais ou tomar o seu pulso — sua borboleta já deixou o casulo. Isso não significa necessariamente que você já esteja morto, mas que o casulo já deixou de funcionar. Ao deixar o casulo, você chega ao segundo estágio, ou seja, ao estágio movido pela energia psíquica. A energia psíquica c a energia física são as únicas que o homem pode manipular.
O maior presente que Deus legou ao homem foi o livre-arbítrio. Dentre todos os seres vivos, só o homem possui livre-arbítrio. Sendo assim, pode escolher entre usar a própria energia de um modo positivo ou de um modo negativo. Assim que a sua alma deixar o corpo, você perceberá que pode captar tudo o que acontece no lugar em que ocorre a morte, seja ele um quarto de hospital, o cenário de um acidente ou onde quer que você deixe o seu corpo. Você não assimila esses acontecimentos com a sua consciência material, mas com uma nova compreensão. Você assimila tudo com essa nova compreensão, mesmo durante o espaço de tempo em que seu corpo não apre-senta pressão arterial, pulso, em que você não respira e, em alguns casos, até depois de ter cessado a atividade cerebral. Você compreende exatamente o que todos estão dizendo, pensando e fazendo. Posterior-mente, você será capaz, por exemplo, de contar com detalhes o tipo de ferramentas que foram utilizadas para tirar o seu corpo do carro batido. E pode até acontecer às vítimas de um acidente lembrar-se do número exato da placa do carro que colidiu com o delas e do motorista que lhes negou socorro. Cientificamente, não se explica como alguém que já apre-sente morte cerebral seja capaz de ler o número de uma placa de carro. (Os cientistas carecem de humildade.) Temos de ter humildade para aceitar que há milhões de coisas que não podemos compreender, mas que nem por isso deixam de existir, de ser verdadeiras.
Se eu usar um assobio próprio para chamar cachorros, você não o ouvirá, mas eles sim, pelo simples fato de que o ouvido humano não é feito para captar uma freqüência tão alta. Do mesmo modo, o homem comum não é capaz de captar uma alma que esteja fora do corpo físico, ao passo que, ao contrário, essa alma que está se desprendendo ainda é capaz de sentir as vibrações terrenas e de compreender tudo o que se passa no local do acidente.
Muitas pessoas, quando submetidas a cirurgias, passam pela experiência de sair do corpo físico e podem, inclusive, observar o trabalho feito pelo cirurgião. Esse fato precisaria ser do conhecimento de toda a equipe de profissionais que atua junto ao doente, para que só falasse junto a ele coisas que ele pudesse ouvir. E muito triste tudo o que se diz na presença de pessoas inconscientes, já que, em geral, elas podem ouvir cada palavra.
Se a sua mãe ou o seu pai está à beira da morte ou em coma profundo, ao se aproximar do seu leito, convém que você saiba que ela (ou ele) pode ouvir tudo o que você diz. Nesse momento, não é tarde demais para pedir perdão, para simplesmente dizer-lhe que a ama, ou qualquer outra coisa que deseje. Nunca é tarde demais para se dizer essas palavras nem mesmo aos mortos, porque eles ainda podem ouvi-lo. Você pode até mesmo dar uma solução a algum “problema não-resolvido” que talvez venha se arrastando há dez ou vinte anos. Agindo assim, poderá se livrar da culpa e passar a viver de uma forma mais plena.
No segundo estágio, a pessoa perceberá que voltou a ter uma saúde perfeita. Se era cega, poderá voltar a enxergar. Se era surda ou muda, poderá ouvir ou falar novamente. Alguns pacientes meus com esclerose múltipla, que dependem de cadeiras de rodas para se locomover e que têm dificuldade para se expressar, ao voltar de suas experiências de quase-morte dizem exultantes: “Dra. Ross, consegui dançar de novo.” E existem milhares de pacientes em cadeiras de rodas que, nesse segundo estágio, podem final-mente voltar a dançar. Evidentemente, quando voltam à vida, seu corpo está doente como antes.
Agora você pode compreender como essa experiência fora do corpo é agradável e abençoada. Depois de passar por ela, garotinhas que perderam o cabelo em virtude de tratamentos para câncer me dizem: “Meus cachinhos cresceram de novo.” Mulheres que precisaram extirpar os seios, durante essa experiência vêem-se novamente com seios normais e perfeitos.
Muitos de meus colegas céticos dizem: “Esses casos podem ser considerados como projeções da racionalização de um desejo.” Cinqüenta e um por cento de todos os casos de quase-morte que atendi ocorreram de súbito. Não creio que alguém vá para o trabalho preocupado, enquanto atravessa a rua, com o fato de, no futuro, continuar de posse dos próprios pés. Entretanto, de repente, em virtude de um acidente, essa pessoa pode ver uma de suas pernas no as-falto, separada do resto do corpo. A despeito disso, durante sua experiência de quase-morte, ainda vê a si mesma com ambas as pernas.
Tudo isso, naturalmente, não é prova suficiente para uma pessoa cética. Para tranqüilizar essas pessoas, desenvolvemos um projeto científico com cegos, tendo o cuidado de selecionar apenas cegos que não tiveram nenhum vislumbre de luz pelo prazo mínimo de dez anos. Destes, os que viveram a experiência de quase-morte, ao voltar, são capazes de descrever em detalhes as cores e as jóias que você estaria usando, caso estivesse presente. Mais do que isto, podem descrever a cor e o modelo do seu suéter, ou da sua gravata, e assim por diante. Você há de convir que essas afirmações referem-se a fatos impossíveis de ser inventados. Você pode fazer uma verificação dos fatos, contanto que não tenha medo das respostas. Entretanto, se tiver medo delas, pode fazer como alguns dos céticos e dizer que essas experiências fora do corpo são resultado da falta de oxigênio. É claro que, se o problema fosse apenas falta de oxigênio, eu o prescreveria a todos os meus pacientes cegos. Compreende o que estou tentando dizer? Se uma verdade desagrada a alguém, esse alguém apresentará uma série de argumentos contra ela. Uma vez mais, entretanto, isso é problema dele, não seu. Não se pode querer convencer os outros mas, de qualquer modo, quando morrerem, eles conhecerão a verdade. (…)”
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Foto: Elizabeth Kübler-Ross, 2001.