“O Oposto da Solidão”: o ensaio da estudante Marina Keegan sobre os medos e anseios de uma nova geração

De vez em quando aparece um texto que é um desabafo e uma inspiração para uma gama de pessoas de um grupo ou de uma geração, como parece ser esse ensaio da estudante americana Marina Keegan (1990-2012). “Brilhante e inspirador“, segundo a revista Time, o artigo “The Opposite of Loneliness” (O Oposto da Solidão) foi publicado há cerca de dois anos, em 27 de maio de 2012, no jornal Yale Daily News, da Universidade de Yale (EUA), onde ela estudava, cinco dias antes de morrer em um acidente de carro, e que pelo expressivo conteúdo e pela tragédia acabou se espalhando pela rede e chegando a mais de 1 milhão de leituras logo nos dias seguintes à publicação. Esta semana, ao completar dois anos, o artigo virou livro, ganhou obra teatral (“An Ode to Youth, Forever Fleeting“) e está reviralizando e ganhando lembranças e novos elogios – como na New York Magazine, “Remembering Marina Keegan“, e USA Today, “Keegan’s ‘Opposite of Loneliness’ voices ‘all of the feels’“.

O artigo é de uma estudante em vias de se formar em Yale, uma conhecida e destacada universidade norte-americana (onde estudaram George Bush, Bill Clinton, Tom Wolfe, Harold Bloom e Oliver Stone), e fala de componentes particulares daquele ambiente (como clubes, residência universitária, etc), mas tem potencial para empossar a voz de círculos mais amplos, possivelmente até mesmo fora da sua geração. Afinal, “todos ainda podemos fazer qualquer coisa“, mesmo que já está no mercado de trabalho ou tem 30 ou 40 anos ou mais. Marina escreve que “a noção que é tarde demais para fazer alguma coisa é cômica“, mas é também trágica, pois levada a sério vai matando aos poucos, mantendo pessoas trancadas em auto-prisões e sob a vigilância de críticos ferozes, elas mesmas. Ainda que seja da realidade diferente das maioria das universidades brasileiras, pelo desabafo, pela busca de liberdade, pela transparência emocional e também pelo que é indefinível (“não temos uma palavra para o oposto da solidão”), “O Oposto da Solidão” é um ensaio que tem luz própria e transmite anseios e ansiedades de uma geração, ou de mais de uma.

O livro, que leva o mesmo nome, “The Opposite of Loneliness: Essays and Stories“, possui 18 textos e está à venda nos Estados Unidos, originalmente em inglês. A tradução do artigo para o português segue abaixo.

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O OPOSTO DA SOLIDÃO
Por Marina Keegan
(tradução Nando Pereira)

27 de maio de 2012.

O texto abaixo foi escrito por Marina Keegan da turma de 2012 para uma edição especial do News distribuído nos exercícios de discursos de formatura da turma de 2012 semana passada. Keegan morreu em um acidente de carro no sábado. Ela tinha 22 anos.

Não temos uma palavra para o oposto da solidão, mas se tivéssemos, eu poderia dizer que é o que queremos na vida. É o que eu tenho gratidão e agradecimento de ter achado em Yale, e o que tenho pavor de perder quando acordar amanhã e deixar esse lugar.

Não é exatamente amor e não é exatamente comunidade; é somente uma sensação que existem pessoas, um monte delas, que estão nisso juntas. Que estão na nossa equipe. Quando a conta é paga e você fica na mesa. Quando é quatro da manhã e ninguém vai pra cama. Aquela noite com o violão. Aquela noite que não conseguimos lembrar. Aquela vez que fizemos, fomos, vimos, rimos, sentimos. Os chapéus.

Yale é cheio de pequenos círculos que criamos ao nosso redor. Grupos a cappella, times de esportes, casas, sociedades, clubes. Estes pequenos grupos que nos fazem sentir amadas e seguras e parte de algo mesmo em nossas noites mais solitárias quando ficamos em casa com nossos computadores – sem companheiros, cansadas, acordadas. Não teremos isso ano que vem. Não vamos morar no mesmo quarteirão que todos os nossos amigos. Não teremos um monte de grupos para mandar mensagens.

Isso me assusta. Mais do que encontrar o trabalho certo ou cidade ou marido – me assusta perder esta rede em que estamos. Este elusivo e indefinível oposto da solidão. Essa sensação que tenho exatamente agora.

Mas vamos entender bem uma coisa: os melhores anos de nossas vidas não estão atrás de nós. Eles são parte de nós e eles vão se repetir conforme crescemos e mudamos para Nova Iorque e de Nova Iorque e quando vamos desejar que tivéssemos ou não morado em Nova Iorque. Tenho planos de fazer festas quando eu tiver 30 anos. Quero me divertir quando eu for velha. Qualquer noção de OS MELHORES anos vem de um monte de clichês de “deverias…”, ” se eu tivesse…”, “eu gostaria de…”.

Claro, tem coisas que queríamos ter feito ou tido: nossas leituras, aquele garoto no fim do corredor. Somos nossos próprios piores críticos e é fácil nos colocar pra baixo. Dormimos demais. Atrasamos. Cortamos caminho. Mais de uma vez lembrei daquele eu quando estava no colégio e pensei: Como fiz aquilo? Como dei tão duro? Nossas inseguranças privadas nos seguem e sempre nos seguirão.

Mas o negócio é que todos somos assim. Ninguém acorda quando queria acordar. Ninguém leu todo o texto (exceto talvez aquelas pessoas malucas que vencem os prêmios…). Temos esses altos padrões impossíveis e provavelmente nunca cumpriremos nossas fantasias perfeitas de nossos próprios futuros. Mas sinto que está tudo bem.

Somos tão jovens. Somos tão jovens. Temos vinte e poucos anos. Temos tanto tempo. Tem essa sensação que às vezes tenho, subindo por nosso consciências coletivas enquanto ficamos sozinhos depois de uma festa, ou embalamos nossos livros quando os doamos ou saímos – que de alguma maneira é tarde demais. Que os outros estão à frente. Mais talentosos, mais especializados. Mais em seus destinos de salvar o mundo de alguma maneira, de criar e inventar ou melhorar. Que agora é tarde demais para COMEÇAR um começo e que nós devemos nos contentar com a continuidade, para começar.

Quando viemos para Yale, havia uma percepção de possibilidade. Essa imensa e indefinível energia potencial – e é fácil sentir que isso se foi. Nunca tivemos que escolher e de repente tivemos que escolher. Alguns de nós focaram em si mesmos. Alguns de nós sabem exatamente o que querem e estão no caminho para conquistá-lo; já estão indo para a faculdade de medicina, trabalhando na ONG perfeita, realizando pesquisas. Para vocês eu digo parabéns e vocês são uns merdas.

Para a maioria de nós, entretanto, estamos meio que perdidos neste mar de artes liberais. Não muito certos de que estrada estamos e se deveríamos tê-la tomado. Se ao menos eu tivesse me formado em biologia… se ao menos eu tivesse envolvida em jornalismo desde o início… se ao menos eu tivesse pensado em passar para isso ou aquilo…

O que temos que nos lembrar é que ainda podemos fazer qualquer coisa. Podemos mudar nossas opiniões. Podemos começar de novo. Fazer uma Pós ou tentar escrever pela primeira vez. A noção que é tarde demais para fazer alguma coisa é cômica. É hilária. Estamos nos formando na universidade. Somos tão jovens. Não podemos, nós DEVEMOS não perder o sentido de possibilidade porque, no fim das contas, é tudo que temos.

N coração de uma noite de sexta-feira de inverno do meu ano como caloura, eu estava tonta e confusa quando recebi uma ligação dos meus amigos para encontrá-los na EST EST EST. Atordoadamente e confusa, comecei a me arrastar para o SSS, provavelmente o ponto mais longe do campus. Surpreendentemente, não me pergunte como e porque exatamente meus amigos estavam festando no prédio administrativo de Yale. Claro, eles não estavam. Mas estava frio e meu ID de alguma maneira funcionou e então entrei no SSS e tirei meu telefone. Estava calmo, as madeiras velhas rangiam e a neve quase não estava visível fora do vidro manchado. E eu sentei. E olhei pra cima. Nessa enorme sala que eu estava. Onde nete lugar milhares de pessoas tinha sentado antes. E sozinha, naquela noite, no meio de uma tempestade em New Haven, me senti tão extraordinária e inacreditavelmente segura.

Não temos uma palavra para o oposto da solidão, mas se tivéssemos, eu diria que é como me sinto em Yale. Como me sinto exatamente agora. Aqui. Com todos vocês. Apaixonada, impressionada, modesta, assustada. E não temos que perder isso.

Estamos nisso juntos, 2012. Vamos fazer algo acontecer a este mundo.

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4 Comments

  1. says: Nati

    Lindo texto.Uma reflexão profunda do momento presente que a autora vislumbrou.Não estamos sós.Temos uma rede de conexões, de relações, mesmo invisíveis,mas estamos juntos e esta unidade nos aquece, nos faz seguir adiante.
    A sabedoria da vida criou tudo interligado e a mesma sabedoria nos conduz dia a dia na criação,no viver cada momento, cada sentir, cada pensar,cada momento de ser.
    Quero ressaltar a afirmação da autora:
    “Não podemos, nós DEVEMOS não perder o sentido de possibilidade porque, no fim das contas, é tudo que temos”
    Grata

  2. says: Cristina_ARC

    Agradeço muito à vida por me ter agraciado com belas experiências na juventude. Tenho maravilhosas recordações plenas deste sentimento de “não solidão”. Aquela sensação plena de pertença como se todos fossemos um só, a comunicação fácil, os olhares, as cumplicidades, os códigos, as risadas…tantas risadas.

    Cada um seguiu seu caminho, mas ali estivemos todos juntos e partilhámos. Realmente nós eramos, mesmo, UM.

    E hoje quando um de nós trouxer à lembrança aqueles momentos, tenho a certeza que um leve sorriso será esboçado. Por isso eu agradeço.

    Obrigado
    Cristina

  3. says: Artur

    Sinceramente, no primeiro momento me decepcionei com o texto, esperava um pouco mais do mesmo quando li a introdução da máteria. Mas em um segundo momento, tive a empatia de analisar com os olhos de uma adolescente de 20 anos. Esse sentimento de inclusão social, realmente se faz presente nessa etapa de nossas vidas, quando cursamos uma faculdade. Posso até dizer que essa imersão social é um dos grandes atributos que uma faculdade proporciona. Aprendemos além de teorias e conhecimentos academicos, a viver em comunidade, a lhe dar com diferenças, preconceitos, inseguranças e nossos medos. É um momento unico do qual amadurecemos diariamente em busca de consolidar nossa identidade, nossa personalidade sempre a merce da nossa vulnerabilidade de ser aceitos. Infelizmente, ela veio a falecer, mas acredito que ela iria descobrir que depois dessa fase, o oposto de solidão é a plenitude. E isso não podemos e nem devemos tentar resgatar em grupos ou pessoas, porque ela é inerente ao ser. É o Deus que há em cada um de nós que supri essa necessidade de ser aceitos. Adorei a perspectiva dela em relação as possibilidades,e comungo de vossa afirmação:“Não podemos, nós DEVEMOS não perder o sentido de possibilidade porque, no fim das contas, é tudo que temos”
    Forte abraço a todos.

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