As verdades que a impermanência nos revela, no “Livro Tibetano do Viver e do Morrer” de Sogyal Rinpoche

Nesses dias que suscedem uma tragédia tão transmitida e que envolve a morte de tantas pessoas de maneira súbita, como a que aconteceu no domingo (27/01) em Santa Maria (RS), reflexões sobre a morte podem reaparecem com força significativa. O lama e mestre tibetano de meditação Sogyal Rinpoche, da tradição Nyingma, escreveu um livro que muitos consideram de especial valor para essa reflexões, chamado “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (The Tibetan Book of Living and Dying, 1992), uma grande obra que faz várias sínteses do clássico “Livro Tibetano dos Mortos” e que traz também diversas visões contemporâneas e instruções valiosas para a vida — e que contém o trecho abaixo, do Capítulo 3, “Reflexão e Mudança”, subtítulo “O Imutável“. Nele, Sogyal fala sobre a necessidade dos questionamentos existenciais mais fundamentais que são trazidos pela morte, como a impermanência, muito citada durante todo o livro, e cita o poeta alemão Rainer Maria Rilke e do sábio (e também poeta) tibetano Milarepa para ampliar suas palavras.

O “Livro Tibetano do Viver e do Morrer” é imenso, no tamanho (530 páginas) e no valor, e traz diversas explicações sobre diversos assuntos, e é realmente pode ser muito rico para quem se interessa pelo assunto. Além de grande parte dedicada ao assunto da vida e da morte, tem vários capítulos sobre assuntos como Carma, Amor, Compaixão, traz histórias tibetanas clássicas e também técnicas como o Tonglen e o Phowa, específicas para o momento da morte.

Segue o trecho, da 6ª edição (2001) da Palas Athena:

“A impermanência já nos revelou muitas verdades, mas há um tesouro final sob sua guarda, que fica profundamente escondido de nós, cuja existência não suspeitamos e nõa reonhecemos, embora seja nosso do modo mais íntimo.

 

O poeta ocidental Rainer Maria Rilke disse que nossos temores mais profundos são como dragões guardando nosso tesouro mais profundo. O medo que a impermanência desperta em nós, de que nada seja real e que nada tenha duração é, como chegamos a descobrir, nosso maior amigo porque nos leva a perguntar: se tudo morre e se transforma, então o que é realmente verdadeiro? Há alguma coisa por trás das aparências, alguma coisa sem limite e infinitamente vasta, alguma coisa em que a dança da impermanência e das mutações tem lugar? Há na realidade alguma coisa com que possamos contar, que sobrevive ao que chamamos morte?

 

Permitindo que essas perguntas nos ocupem com urgência e refletindo sobre elas, lentamente passamos a fazer uma profunda mudança no modo como vemos toda a vida. Com contemplação constante e praticando o desprendimento, descobrimos em nós mesmos “alguma coisa” que não podemos nomear, descrever ou conceituar, “alguma coisa” que começamos a perceber que está além de todas as mudanças e mortes do mundo. Os desejos mesquinhos e distrações a que nos condena nosso apego obsessivo à permanência começam a se dissolver e depois desaparecem.

 

Enquanto isso ocorre, temos repetidos e vívidos lampejos de algumas das vastas implicações subjacentes à verdade da impermanência. É como se tivéssemos vivido toda nossa vida num avião atravessando negras nuvens, em meio à turbulência, e agora ele subitamente se alça acima delas, num céu tranquilo e ilimitado. Inspirados e estimulados por essa chegada a uma nova dimensão de liberdade, descobrimos a profundeza da paz, da alegria, da confiança em nós mesmos, que nos enchem de encantamento e geram, gradualmente, a certeza de que há em nós aquela “alguma coisa” que nada destrói, que nada altera, e nem pode morrer. Milarepa escreveu:

 

“Aterrorizado pela morte, refugiei-me nas montanhas –
Muitas e muitas vezes meditei sobre a incerteza da hora da morte
Conquistando o forte da natureza da mente – infinita e imortal.
Agora, todo medo da morte acabou para sempre.”

 

~ Sogyal Rinpoche, em “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (pgs 65 e 66)

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9 Comments

  1. says: Antônio Luiz Rodrigues Pinto
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