O talento não é algo em si mesmo, e sim um processo: trecho de “O Gênio em Todos Nós”, de David Shenk

O avanço da Genética é um marco na história da ciência mas nem tudo é tão líquido e certo (e pré-determinado) como pareceu ser no início, e  algumas abordagens opositoras ou complementares se fazem notar cada vez mais – se não médicas, ao menos culturais. No livro “O Gênio em Todos Nós” (Zahar), o escritor e cineasta americano David Shenks escolheu a seguinte linha de apoio para o título da sua obra: “Por que tudo que você ouviu falar sobre genética, talento e QI está errado”. Radical, mas ele explica, como no trecho do capítulo de introdução abaixo, onde ele explora o problema de aceitar simplisticamente que existe um “talento genético”, gerando mal-entendidos e equívocos culturais. “Todo o conceito de dom genético é um grande equivoco“, diz ele.

Segue o trecho do livro.

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“O GAROTO”, EM “O GÊNIO EM TODOS NÓS” (Zahar) – CAP. 1 [TRECHO] Por David Shenk

O talento não é algo em si mesmo, e sim um processo.

Isso não se parece nem um pouco com o que costumávamos pensar sobre talento. A julgar por expressões como “ele deve ter um dom”, “boa genética”, “talento natural” e “[corredor/atirador/orador/pintor] nato”, nossa cultura vê o talento como um recurso genético raro, algo que você tem ou não tem. Testes de qI e de outras “competências” sistematizam essa ideia, e escolas desenvolvem seus currículos baseadas nela. Ela é constantemente corroborada por jornalistas e até mesmo por vários cientistas. Esse paradigma do dom genético se tornou parte essencial da nossa compreensão da natureza humana.

Ele combina com o que aprendemos sobre DNA e evolução: Nossos genes são o modelo de quem nós somos. Genes diferentes nos tornam indivíduos diferentes com habilidades diferentes. Se não fosse assim, como o mundo teria indivíduos tão variados quanto Michael Jordan, Bill Clinton, Ozzy Osbourne e você?

No entanto, todo o conceito do dom genético é, na verdade, um grande equívoco – tragicamente mantido em voga por décadas a fio por uma série
de mal-entendidos e metáforas enganosas. Nos últimos anos, tivemos o surgimento de uma montanha de evidências científicas que sugerem, de forma incontestável, um paradigma totalmente diferente: o que existe não é uma escassez de talento, e sim uma fartura de talento latente. De acordo com essa 18 A argumentação concepção, o talento e a inteligência humana não se encontram em níveis constantemente baixos, como os combustíveis fósseis, mas sim em níveis potencialmente abundantes, como a energia eólica. O problema não está nos nossos recursos genéticos inadequados, mas na nossa incapacidade, até o momento, de utilizar o que já possuímos.

Isso não quer dizer que não tenhamos diferenças genéticas importantes entre nós, que geram vantagens e desvantagens. É claro que temos, e essas diferenças trazem consequências profundas. Porém, a ciência contemporânea sugere que poucas pessoas conhecem seus verdadeiros limites, e que a grande maioria delas não chega nem perto de utilizar o que os cientistas chamam de “potencial irrealizado”. Ela também apresenta uma visão profundamente otimista da raça humana: “Não temos como saber quanto potencial genético irrealizado existe”, escreve Stephen Ceci, psicólogo do desenvolvimento da Universidade Cornell. Isso faz com que seja logicamente impossível insistir (como alguns de nós fazem) na existência de uma subclasse genética. A maior parte dos que possuem um desempenho abaixo da média muito provavelmente não é prisioneira de seu próprio DNA; essas pessoas têm sido apenas incapazes de alcançar seu verdadeiro potencial.

Esse novo paradigma não se limita a proclamar uma simples mudança do “inato” (nature) para o “adquirido” (nurture). Em vez disso, ele revela como na verdade essa dicotomia está falida e exige uma reavaliação a respeito de como nos tornamos nós mesmos. Este livro começa, portanto, com uma nova e surpreendente explicação de como funcionam os genes, seguida por uma análise detalhada das recém-descobertas matérias-primas do talento e da inteligência. quando juntamos tudo isso, o que surge é uma nova imagem de um processo de desenvolvimento fascinante, que podemos influenciar – embora nunca controlar por completo – como indivíduos, como famílias e como uma sociedade que incentiva o talento. Embora seja essencialmente auspicioso, esse novo paradigma também gera novas e inquietantes questões de ordem moral, com as quais todos nós teremos que lidar.

Seria um disparate afirmar que qualquer um pode literalmente fazer ou ser qualquer coisa, e esse tampouco é o objetivo deste livro. Porém, a ciência contemporânea nos diz que é igualmente absurdo pensar que a mediocridade Introdução 19 é inata à maioria das pessoas, ou que nós podemos saber quais são nossos verdadeiros limites antes de empregarmos nossa vasta gama de recursos e investirmos grande quantidade de tempo nisso. Nossas habilidades não estão gravadas de forma indelével em nossos genes. Elas são flexíveis e moldáveis, mesmo nas idades mais avançadas. Com humildade, esperança e determinação extraordinária, qualquer criança – dos oito aos oitenta anos – pode aspirar à grandeza.

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8 Comments

  1. says: julio

    Isso é verdade do ponto de vista genético.
    As células, depois da nanoterapia confirmam esse talento natural e adaptação transformando-se em qualquer… mas existem talentos que aos oito anos, Mozart, por exemplo, que já escrevia peças complexas e tocava piano como gente grande e não pode ser uma questão puramente genética.
    Nesse caso algo transcende a ciência física e só a metafísica explica, levando em conta a reencarnação.

    Pois que existem diferenças intelectuais e de talento no mundo existem, pouco importa as células serem iguais ou não, mas essa diferença patente vê-se a olho nu e até os nomes citados são exceções.

    Depende do esforço pessoal? Sim, e quem nos garante que também essa vontade não é determinada por um aprendizado anterior e transcende a questão genética, cabendo a esta apenas responder ao comando?

    Realmente Shakespeare tinha razão: “existe mais mistério entre o céu e a terra do que imagina a nossa “ciência” filosofia” .

  2. says: Edvaldo Gonçalves

    Vejo um exemplo ótimo disto, no que diz respeito a criatividade.Sempre fui considerada uma pessoa criativa(desde criança) e sempre me questionei sobre a verdade disto, hoje penso que essa tal criatividade vem de uma criação que me possibilitou uma maior liberdade e ousadia. Quando criança meus pais não tinham condições de me darem brinquedos nem jogos educativos, mas meu pai tinha muitas ferramentas, latas, tábuas e outras quinquilharias das quais eu mesmo fiz a maioria dos meus brinquedos de infância. na maioria das vezes cópias de outros que havia visto, é claro com adaptações dentro dos materiais disponíveis, as vezes eu dava sorte e eles ficavam mais legais que os originais, ai ouvia aquela: “que menino criativo”, ficava meio sem jeito pois sabia que na verdade havia copiado e adaptado de um outro modelo..bem…
    Hoje sou arquiteto e exerço minha “criatividade” quase que diariamente, não faço mais cópias adaptadas mas nunca é uma coisa genuinamente original sempre tenho por base trabalhos de arquitetos que admiro e obras as quais eu considero de qualidade, e coisas que já fiz que deram certo, mas percebo claramente que os carrinhos de lomba que fazia quando criança foram imprescindíveis, não para o exercício de minha criatividade,mas para aprender que sempre podemos inovar de alguma forma e que sempre há a possibilidade de fazer diferente, e que nada esta acabado só porque alguém disse que esta. Valem as máximas de Albert Eistein:
    “O segredo da criatividade é saber esconder suas fontes.”
    e Isaac Newton: “Se pude enxergar mais longe foi porque estava sobre os ombros de gigantes”?
    Excelente post Nando, sou leitor diário do _dharmalog.
    _/\_NAMASTÊ_/\_
    Ed.

  3. says: norma

    “Você não pode controlar com que genes vai nascer ou quem serão os seus pais, ou em que cultura você nasceu etc. Mas você continua precisando assumir responsabilidade em relação às suas ações, e pelos seus próprios sucessos e fracassos.
    É claro que todos somos limitados em nossos recursos.”
    Entrevista:David Shenk

    Só lembrando: O Roger Moreira, o divertido vocalista do Ultraje a Rigor (tocando, atualmente, no “Agora é Tarde do Gentili/Band TV e que já posou “au naturel” nas páginas da G – oi?) é o membro mais famoso da Mensa Brasil, com seus invejáveis 172 de Q.I. (O diretor norte-americano Quentin Tarantino tem o mesmo Q.I. dos físicos Albert Einstein e Stephen Hawking: 160, não esquecendo a inglesinha de 12 anis com 162). Há a Asia Carrera que possui um QI de 155, que é a única integrante da sociedade Mensa internacional que fez pornô e que toca Bach, adora física quântica e fez a própria página na WEB e por fim : Marilyn Von Savant que conseguiu uma façanha: figurar no livro Guinness de recordes com o mais alto quociente de inteligência (QI) já medido: 228 pontos. O segundo da lista é um homem e não passa nem perto dela, com 197 pontos. rs. Nac♥)

    Ter um Q.I alto não é sinônimo de sucesso na minha opinião. Tem outros fatores. Tem outros tipos de inteligência: emocional, espiritual…

    “Pessoas que possuem Q.I. altos , são pessoas que conseguem de certa forma processar tudo que aprendem de uma forma melhor e conseguem respostas de uma maneira mais rápidas que a maiorias das pessoas, acho que é isso, porém, se de certa forma não souberem lidar com esse dom, passarão os restos da vida sendo iguais ou até inferiores a seus pares com Q.I. mais baixos.”
    (Neoleguin – UOL Splo).

    Com relação a genialidade (princ. a na 1º infância), citada p/Julio, concordo com o que ele colocou.Faz-se necessário outros filtros. Para tanto, basta ver a Mandala Pessoal (Mapa Natal) de gêmeos ou de trigêmeos com trajetos por vezes tão diferentes mesmo oriundos do o mesmo habitat.

    E Ed, fiquei encantada com o que relatou. Que linda oportunidade o Universo te proporcionou ao “limitar os recursos”: Um desabrochar precoce dos teus talentos. Parabéns, pelo teu mérito e por tua sabedoria em identificá-lo.

    Grata pelo Post Nando e Boa Sorte.

  4. says: norma

    Gente,

    Em tempo: Ih, Esqueci a Capa do livro!

    +++++++++++
    Uma noz parece um pequeno cérebro, com hemisférios esquerdo e direito, cerebelos superiores e inferiores. Até as rugas e folhos de uma noz são semelhantes ao neo-cortex. Agora sabemos que as nozes ajudam na formação de mais de 3 dúzias de neurotransmissores para o funcionamento do cérebro.
    (Mamãe Natureza nos dando colo – Pisc*)

    mais aqui:Alimentos com formato semelhante a órgãos humanos

    http://www.saudeintegral.com/artigos/alimentos-e-os-orgaos.html

    Bjo Nac♥

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