O Silêncio sobre a Arte, e Agora? – I

O Silêncio sobre a Arte, e Agora? – I
Afonso Romano de Sant’Anna comentou na Época a “lei do silêncio”, aquele fenômeno que intimida os espectadores da arte (e não só eles) a calarem diante de uma obra sem saber se aquilo é arte ou não é (imagine então saber se é boa). Isso teria começado com Marcel Duchamp e seu urinol, desafiando educadamente a noção de arte como a conhecíamos em 1917. Naturalmente interessante e necessário. Mas aí esse desafio parece ter ficado institucionalizado – mais gente (artistas?) gostou de desafiar a arte do que fazê-la, e aí perdemos o chão. É o que acontece até hoje: ninguém sabe o que é arte de fato, quem sabe mais ou menos tem receio de dizer e quem sabe muito quase não existe.

Acho que a gênese desse problema tem mais ramificações. Não são só os “artistas” que se perderam em meio a tanto desafio e pouca arte (ou crise de criatividade?), mas foram os próprios espectadores que se perderam em meio à “falta de liderança artística” (no sentido de: se eles não sabem o que é arte, nós vamos saber?) e talvez por causa da própria falta de autonomia (alfabetização?) para ter a própria opinião (veja comentário II). Acrescente a isso o fato de que, pós-1917 nasceu e se desenvolveu uma coisa chamada mídia, ou o milagre da comunicação, que trouxe mais dois agravantes: o objetivo da fama e uma arte bem mais superficial.

O que o Afonso Romano quer dizer é que saturou. Ninguém quer mais admirar extintor de incêndio. E quem vai a museu de arte hoje tem mais dúvidas do que certezas. Isso é um discurso inovador, porque é autêntico. Temos uma realidade em impasse e um cansaço, ou seja, um chamado excepcionalmente excitante e desafiador à arte. Artistas, uni-vos!

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3 replies on “O Silêncio sobre a Arte, e Agora? – I”
  1. says: Bia Badaud

    eu acho os comentários do Afonso pertinentes, interessantes, bem embasados. tanto que postei uma coluna dele falando sobre isso no ano passado.

    mas, sobre arte, o comentário que matou a pau foi um da Madonna, discursando na entrega do Tuner Prize em Dezembro 2001 que li também no ano passado:

    “(…) É um pouco estranho entregar um prêmio para o “melhor” artista, porque não há o “melhor” qualquer coisa – há somente opiniões diversas.
    Pessoalmente acho que cerimônias são meio idiotas.
    Alguém aí concorda com isso? Nunca.
    Esses prêmios fazem do mundo um lugar melhor? Não…
    Um artista que ganha vários prêmios se torna um artista melhor? Definitivamente não.
    (…) O que eu sei é que a arte está em seu melhor estado quando não há nenhum dinheiro no meio, porque a arte não tem nada a ver com dinheiro, e tudo a ver com amor.
    E como o amor, pode ser inspirador, inexplicável, provocativo e às vezes enfurecedor.
    Não obstante, não podemos viver sem ela, e é por isso que estou aqui.
    Não porque eu penso que um artista é melhor que outro, mas porque quero apoiar todo artista que não somente tenha algo a dizer, mas também tenha coragem de
    dizê-lo.
    Em uma época em que ser politicamente correto é mais valorizado que a honestidade, eu gostaria de dizer: “seus filhos da p*, todos vocês são vencedores (…) ”

    concordo com ela. o grifo no texto é meu.

    aliás, mal comparando, em arte assim como nos blogs, o mais legal de tudo é a liberdade.
    todo mundo pode fazer, então, aparece muito lixo, mas, é a expressão da pessoa.
    e outra, tem coisa que você acha lixo mas um monte de gente curte.
    aí passa a ser um exercício bem interessante de conviver com o gosto dos outros.
    nos dois casos, há espaço pra todo mundo, qualquer um pode expressar-se, e a liberdade de poder fazer isso é que dá a graça.
    tanto arte como blogs, só têm graça se não houver regra, dogma, preceito, parâmetro.
    o bom é justamente cada um fazer o que quiser, o que for ruim acaba por si mesmo, não precisa ninguém combater, se irritar.
    mas ao mesmo tempo, há espaço pra de repente surgir uma coisa interessante, diferente, inesperada, do autor de quem menos se suspeitava fosse capaz.
    arte e blog só têm graça se rolarem na mais absoluta liberdade, mesmo que o preço disso seja o acúmulo dum monte de lixo num canto.
    azar, faz parte, ué.
    se ninguém gostou, pelo menos o artista ficou feliz.
    e isso por si já é ótimo!

    sei lá, eu acho, pelo menos.

    COMMENT:
    são problemáticas diferentes, Bia, mas é interessante. necessário tb.

    tentando relacionar um com o outro, talvez a Madonna já esteja no processo de digerir o entulho (?). ou é só um manifesto contra os excessos da mídia.

    em princípio, ela está certa. eu gostaria de ponderar apenas que nós temos que conviver com certas inevitabilidades da nossa realidade atual, e os prêmios são uma delas – resultado da quantidade de “arte” sendo produzido, do mercado, da audiência e dos próprios artistas fazendo avaliações sobre si mesmos. então, deixe-me deixar claro, acho que as premiações não são tão maléficas assim, embora o ato de denominar algum “vencedor” na arte seja praticamente impossível, ou simplesmente inútil. o que é “harmless” nos prêmios é que pra mim é compreensível vc reunir especialistas e membros de uma academia para tentar premiar a excelência de algumas obras, principalmente usando uma categorização como fotografia, música, edição, etc.

    o problema está justamente aí: de que interessa a uma arte (filme) ter a melhor edição se a obra conta como conjunto? seria, diante de um quadro, vc dizer que o desenho é péssimo e vc não entendeu nada, mas as cores são bonitas. quer dizer, uma parte não salva o todo, serve apenas para congratular a equipe que o coloriu.

    de qualquer maneira, eu gostaria de dizer que eu também apóio todo o artista (!) que tenha algo a dizer, e que tenha coragem de dizê-lo.

  2. says: Bia Badaud

    bom, não sou fã da Madonna, diga-se de passagem.
    mas concordo com o que ela disse.
    e acho que entendi o que você ponderou.
    só que, veja, você fala em ‘problemáticas’ diferentes.
    pra mim, se virou problemática, perdeu a graça.
    sabe, como te disse, a graça em arte é a liberdade, a do criador de criar, e a minha de poder gostar do que eu quiser.
    e me divertir, e o artista se divertir, sabe.
    não gosto de muitos problemas com relação a arte.
    e não gosto de crítica de cinema, de oscar, de grammy, de pintores de nariz empinado, nada disso.
    se a mim não cai bem aos ouvidos o som de um mozart, por exemplo, de que adianta um monte de técnicos jurar tres vezes que ele é bonzão pracacete?
    vou continuar achando mozart um saco (aliás, acho mesmo).
    um monte de gente curte, beleza, vão lá curtir, qual o problema?
    um montão de gente se amarra em egua pocotó, o que eu vou fazer, dar porrada?
    vou lutar pelo meu direito de não escutar isso, mais não posso fazer.
    outro dia eu reclamava que tinha uma festa de criança no prédio vizinho tocando aos berro kéli kí, sandi i júnior, xuxa, e não me conformava. disse que achava isso um lixo, que tinha grupos como o ‘palavra cantada’, de Minas, que era bom pra crianças, inteligente, engraçado, etc.
    quer dizer, não vou dizer que nunca lamento o gosto alheio. mas, o máximo que posso fazer é tentar divulgar o que acho legal, e só.
    se o povo gosta de xuxa, kéli kí, eu tenho que me conformar, fazer o que?
    ir lá no baile fúnk parar a música e colocar um chico buarque na vitrola?
    eu gosto, mas eles não gostam, eles acham fúnk manêro.
    nos anos 60, os beatles eram considerados por alguns uns arruaceiros, etc.
    sei lá.
    eu quero ter minha liberdade de gostar do que quiser, daí, sou obrigada a aceitar o gosto e o jeito de se divertir dos outros, fazer o que.

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