“Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia”.
_ ALFREDO BOSI (em “Céu, Inferno”)
“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”
_ GUIMARÃES ROSA (em “Grande Sertão: Veredas”)
LEGENDA 1: Ode ao Chão
No seu livro, Bosi usa uma frase que ajuda a gente entender nossa loucura de viver o tempo “sem tempo”.
Ele fala que ficamos perplexos perante as características tão diversas da natureza, e diz: “(ela) que só recebe algum sentido quando reduzida a rumo, a rota, a sequência de rastos conhecidos, senda capaz de levar a um termo”.
Esse é o nível da nossa loucura. Nós inventamos uma agenda pra nós, e todo o resto – da casa, da cidade, do país, do mundo e do tempo – vira paisagem. Só tem função de ser rota de passagem.
Não só passagem ou paisagem, mas geralmente uma bem desagradável. Demorada. Chata. Longa. Com muito trânsito. Muita chuva. Muito sol. Sem música boa. Sem companhia. etc.
Pra nós, os doidos, tudo existe para um fim. Nada é para o que é, em si mesmo.
Por isso buscamos tanto “sentido”. Nas palavras de Bosi: “rumo”. “Estamos indo pra onde?”. “Qual meu propósito?”.
O chão pra nós é algo irrelevante.
Nós subestimamos o chão.
“O chão? Pfff. Não vou perder tempo com isso.”
“Perder tempo” (veja, sempre tem a escravidão da produtividade e/ou do hedonismo)
Até então o dia em que o chão “sai” debaixo dos seus pés.
Aí a casa cai.
“Perdi o chão”.
Ahh.
Ao prestar atenção no chão, e isso significa não só aceitá-lo, mas andá-lo, desfrutá-lo, vivê-lo, começaremos a desenvolver a sanidade básica da vida. Esta sanidade é fundamental para vermos todas as outras coisas de nós mesmos, do caminho, e da vida.
Sem ela, vivemos apenas na hipnose do mundo “reduzido a rumo”.
E autoconhecimento é apenas um sonho distante.
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Com a ajuda de:
@amensageirapoetica (que me deu de presenta a frase) ?
@psicologajulianaparanhos (que deu nome, livro e página pra frase) ?
E Guimarães Rosa ?, que nos deu grande sertão e a reflexão da travessia, inclusive pro Bosi (que escreveu essa frase numa análise de Rosa).
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#travessia #agrandeviagem #guimaraesrosa #literatura #literaturabrasileira #grandesertaovered
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Que lindo post! Certíssimo… e a gente se esquece e simplesmente não vive. Tive a alegria e sorte de ter Bosi como professor na graduação e na pós: admirava (o) sua inteligência e profundidade! Busquei muita inspiração nessa fonte maravilhosa para escrever minha tese e, principalmente – aprendi muito para a VIDA. Mestres ???
Que beleza de frase. Errei e admito hahaha mas tudo bem. Ainda bem que temos esclarecimentos e profundidade aqui. E a frase sempre vem muito bem acompanhada. Obrigada, Nando. Que esses presentes continuem se espalhando pelo mundo. Precisamos deles ????????
deu saudade dos tempos de literatura comparada <3
Delícia de texto. Minha junção preferida do @_dharmalog LiteraturaeEspiritualidade. ??? Bosi e Rosa, gênios. Cada um a sua maneira, mas ambos poéticos e certeiros. Sentir o chão… E perceber que até ficar sem ele é uma das formas de vivê-lo. Pois perdê-lo de vista por alguns momentos faz a gente acordar para a travessia. Faz a gente apurar os sentidos, mesmo quando tudo não faz sentido. E apurando deixar de tolices. O chão é o chão. E ele se revela mesmo é na caminhada e não no planejamento da caminhada…