A importância da incerteza e a reviravolta do tempo psíquico no meio da pandemia

“Penso que é muito fácil extrapolarmos este momento (presente) se sabemos o que vai acontecer em uma semana, em um mês, em três ou seis meses, em um ano. E esta agora é uma dessas situações. O Buda sempre falou a respeito disso, da importância da incerteza. Que, realmente, não sabemos o que o próximo momento vai nos trazer”.
MARK EPSTEIN, psicoterapeuta

Parece que esse tema está mobilizando muitas pessoas (todos?) nessa pandemia.

Talvez o título mais correto para esse texto fosse “A importância de PERCEBER a incerteza como REAL”, pois a incerteza já é da realidade. E não só importante pra ela, mas parte inerente dela. Nós é que sempre buscamos nos alienar da incerteza, do presente incerto, nos apoiando o “tempo todo” no “tempo futuro”. Virou cultura.

“Vou fazer X em dezembro”. “A partir de agosto terei Y”. “Em julho estarei pronto para Z”.

“Certezas”.

Esse apoio é um engodo. Uma maneira de tentar ver segurança e apoio onde não há. Assim, ignoramos a realidade (de não saber). Ninguém consegue dar um jeito nisso agora. A própria natureza do vírus (e de não termos cura pra ele ainda) coloca todos na posição de não ter garantia sobre nada, sequer sobre a própria vida. Estamos correndo pra resolver, mas por hora estamos sem opção, sem podermos nos apoiar na usual idéia intoxicante das certezas.

No âmago disso está a impermanência. Uma das três marcas da existência, segundo o Budismo. Por isso Buda fala tanto dela.

Uma adaptação significativa e talvez radical a ela é necessária, senão há mais sofrimento. E essa adaptação parece exigir que estejamos mais presentes, mais “aqui e agora”, expressão que tanto lemos por aí, e que parece nos botar na parede. Há confusão, raiva e resistência. Alguns sentem como se estivessem sendo forçados a viver “só” o hoje. Um luto pelas certezas. Mas como faço isso?, perguntam. Não há método, há o aqui e agora, a realidade.

Se aceitarmos ver essa realidade, talvez vejamos mais coisas. Talvez tenhamos um pouco mais de “noção”, como se diz na fala popular. Mais consciência. Da nossa própria vida momento a momento, mas também da interconexão de todos nós, da necessidade de fazer o bem uns aos outros, de ter mais consciência da situação do outro, de agir pelo outro, de se dar conta de desperdícios e ilusões, da necessidade do entendimento e de paz, da existência do presente. Não porque lemos num site ou livro ou ensinamento, mas porque estamos vendo na pele, como real, nessa pandemia.

//////////

Arte: @yourfriendlyneighborhoodadam

More from Nando Pereira (Dharmalog.com)
“Esteja presente com as coisas que já estão presentes. Seu corpo, sua respiração
“Esteja presente com as coisas que já estão presentes. Seu corpo, sua...
Leia Mais
Join the Conversation

2 Comments

  1. says: ECILDA DA SILVA GONCALVES

    Olá!! O comentário que quero deixar aqui é de agradecimento, o site traz uma contribuição preciosa. Uma deliciosa leitura das suas reflexões à partir dos pensamentos e experiências de grandes professores.??

Leave a comment
Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *